sexta-feira, 1 de julho de 2011

O Despertar da Primavera






Para uns, a juventude é o instante no qual a vida se reveste de poesia e liberdade. Para outros, uma viagem insólita rumo ao desconhecido. É o momento das descobertas, das epifanias, da explosão dos conflitos. Não por acaso, é eterna fonte de inspiração de poetas e escritores. Em 1891, o dramaturgo alemão Frank Wedekind escreveu ‘O Despertar da Primavera’, peça que descortinava o universo de um grupo de adolescentes e tocava em temas como o florescer da sexualidade, o incesto, suicídio e a opressão seja na família, no sistema educacional ou na igreja. Mais de um século depois, Duncan Sheik e Steven Sater inseriram o rock´n´roll na vida daqueles jovens e nasceu, em 2006, a versão musical de ‘O Despertar da Primavera’. A mistura de uma sonoridade contemporânea com um texto clássico recebeu a consagração da crítica norte-americana e oito prêmios Tony, incluindo melhor musical, melhor texto, melhores letra e música. Pouco mais de dois anos após a estreia na Broadway, Charles Möeller e Claudio Botelho dão sua visão sobre o musical, cuja primeira montagem no Brasil chega ao Teatro Villa-Lobos, a partir de 21 de agosto, com produção da Aventura Entretenimento, patrocínio do Bradesco Seguros e Previdência, apoio do Shopping Rio Sul e promoção da MTV.

A versão musical do espetáculo, criada com base no texto original de Wedekind, estreou em 2006 no circuito Off-Broadway e, no mesmo ano, foi ‘promovida’ para a Broadway. “A união do rock com um texto de 1891 foi um escândalo. É diferente de tudo o que vinha rolando lá nos últimos anos, absolutamente vanguardista”, empolga-se Claudio. “A grande sacada é colocar a música de hoje relacionada aos jovens daquela época. Seus gritos e buscas permanecem os mesmos. Em 2009, podemos usufruir da liberdade total, mas continuamos sofrendo das mesmas doenças e inseguranças. O tempo passou, mas a essência do homem se mantém oprimida muitas vezes, especialmente diante da Família, da Igreja e do Estado”, afirma Charles.

O texto original de Wedekind foi proibido imediatamente após a sua publicação na Alemanha e acusado de incitar os jovens ao suicídio e à prostituição, mas ele afirmava que os estimulava à vida e à liberdade. “Ele teve coragem de tocar em tabus sem qualquer máscara, isso ainda no fim do século XIX. Ele desmistificou a história da cegonha trazer os bebês, falou abertamente sobre o prazer, mostrou pela primeira vez uma menina já sexualizada no teatro (Ilse, a personagem que foge de casa), além do primeiro beijo homossexual aberto na história da dramaturgia”, explica Charles. “A peça discorre sobre vários temas, mas é fundamentalmente sobre o sexo. O adolescente é um mundo secreto e esse espetáculo oferece uma possibilidade de espiarmos este mundo pelo buraco da fechadura”, complementa.

Para a concepção do musical, Duncan Sheik e Steven Sater trabalharam durante oito anos em cima do texto original. “Eles queriam algo diferente que pudesse ser transformador. Nada mais natural que bebessem na fonte do Wedekind. Tudo o que ele desejou há mais de um século vem se concretizar de modo diferente agora, com a nova linguagem do musical. Ele queria que a peça fosse um grito de liberdade e isso é sem nenhuma dúvida a tônica desta nova versão”, exalta Charles.

Após uma avassaladora temporada no circuito Off-Broadway, em 2006, o espetáculo estreou no mesmo ano na Broadway e conquistou os principais prêmios do teatro norte-americano: oito Tony Awards (melhor musical, melhor texto de musical, melhor trilha original, melhor direção, ator revelação, melhor coreografia, melhor orquestração e melhor iluminação), um Grammy de melhor álbum de musical, além de ser eleito o Melhor Musical pelo New York Drama Critics Circle Award, o Drama Desk Awards, o Outer Critics Circle Awards, o Lucille Lortel Awards e o Drama League Awards. Foi ainda eleito o “espetáculo do ano” pelo jornal New York Times. Atualmente, o musical está em turnê pelos Estados Unidos e Canadá e já foi montado em Londres, na Suécia, Hungria, Dinamarca, Áustria, Finlândia, Japão, entre outros. Estão acertadas encenações nas Filipinas e Austrália.

A montagem brasileira de ‘O Despertar da Primavera’ conseguiu autorização para ser a primeira non-replica no mundo desde a estreia na Broadway. Isto significa que, usando o mesmo texto e canções do musical, Charles Möeller e Claudio Botelho estão realizando a primeira direção e concepção diferente em tudo das originais. Consultados, os autores foram seduzidos pela possibilidade de verem sua obra encenada com outra visão pelos artistas brasileiros. “É um fato inédito montarmos uma produção tão recente da Broadway com a autorização para uma direção autoral. Geralmente, os espetáculos de grande sucesso levam muitos anos para que comecem a ser ‘licenciados’ pelos autores sem a obrigatoriedade da cópia”, revela Claudio. “Tive total liberdade para a tradução dos textos e as versões das canções, e só me interessa trabalhar assim. Só não mexi nas partituras e nos arranjos, que considero perfeitos e que são, como sempre, a alma e o sentido principal de um musical”, complementa.

“Eu já era muito apaixonado pela peça, antes mesmo de virar um musical. Várias vezes, em adaptações para musicais, perde-se a força do texto, mas o caso do ‘Despertar da Primavera’ é uma coisa raríssima, pois o musical consegue ser ainda mais contundente do que o original”, afirma Charles. “A adaptação é bastante fiel. Os personagens estão inteiros. A principal mudança é que todos os adultos do triângulo escola/igreja/família são representados pelo mesmo casal de atores. Independentemente do cenário no qual esteja inserido, o adulto trata o jovem sempre como inimigo nesta peça”, acrescenta.

A versão brasileira traz diversas diferenças do que foi apresentado na Broadway. “Só monto um espetáculo se puder dar a minha opinião sobre ele, não faço réplicas, pois para isso minha função seria praticamente desnecessária”, explica Charles. “No original da Broadway, as músicas são apresentadas como um grande show. Na hora em que cantam, os personagens se transformam em ídolos de rock, com o microfone nas mãos. Entendemos as canções como as projeções do pensamento dos adolescentes. Em nossa versão, tudo acontece apenas na cabeça deles. Não é o que eles estão vivendo, mas o que gostariam de expressar”.

O elenco é formado por jovens entre 14 e 25 anos. “Uma das únicas exigências dos criadores originais foi que os atores tivessem a idade muito próxima dos personagens. Não são adultos se passando por adolescentes. Acho o máximo trabalhar com esses garotos”, entusiasma-se Charles. “Estamos lidando com um elenco que está realmente despertando, é o momento do florescimento deles. Algumas cenas mexem com eles, mas queria justamente desmitificar os tabus. Não posso tratar desse material se tiver qualquer pudor”.

Malu Rodrigues (Wendla), Pierre Baitelli (Melchior), Rodrigo Pandolfo (Moritz), Letícia Colin (Ilse) e Thiago Amaral (Hanschen) encabeçam o elenco brasileiro, formado por Alice Motta, André Loddi, Bruno Sigrist, Danilo Timm, Davi Guilherme, Eline Porto, Estrela Blanco, Felipe de Carolis, Julia Bernat, Laura Lobo, Lua Blanco, Mariah Viamonte, Pedro Sol e Thiago Marinho. Débora Olivieri e Carlos Gregório interpretam todos os adultos do musical.

Os cenários de Rogério Falcão usam tijolos e paredes para reforçar a incomunicabilidade, a castração. “Esteticamente, o espetáculo tem inspiração darwinista, tudo é vertical. O homem fica pequeno diante do universo que o cerca, aquele que não se adapta tem que ser exterminado”, explica Charles. As ações acontecem sempre entre quatro paredes, seja na escola, em casa ou na igreja. Tudo é velado. Dentro desse espaço limitado não é possível a experimentação. Não por acaso, todos os encontros e as descobertas são feitos na floresta, que é justamente o espaço livre de paredes, de teto”, acrescenta.

Os figurinos de Marcelo Pies utilizam transparências, deixando à mostra pequenas imagens, seja uma folha, uma boca, revelando sutilmente aquilo que deveria estar oculto. A ficha técnica traz ainda habituais parceiros da dupla. A coordenação artística é de Tina Salles, a luz de Paulo César Medeiros, e a direção musical de Marcelo Castro. Para a coreografia, foi convidado o brasileiro Alonso Barros, radicado em Vienna e um dos coreógrafos mais experientes em teatro musical no circuito europeu de entretenimento. “Despertar no público jovem o interesse de assistir um musical é o nosso grande desafio. O espetáculo trazendo temas tão presentes na vida de todos e falando a linguagem dos jovens através da música nos dá a certeza de estarmos no caminho certo”, diz Aniela Jordan, uma das sócias da Aventura.

O Despertar Original e seu autor

‘O Despertar da Primavera’ se passa na Alemanha no final do século XIX e conta a história de Melchior Gabor e Wendla. Ele, um jovem brilhante e rebelde que ousa questionar os dogmas vigentes. Ela, integrante de uma família de classe média alta, educada por uma mãe com rígidos princípios morais e religiosos. O encontro dos dois irá provocar a explosão do desejo, da vontade de conhecer o sexo e o amor. A história deles se cruza com a de vários outros jovens, como o oprimido e trágico Moritz ou a bela Ilse, que tem a coragem de usufruir de sua liberdade e se aventurar pelo mundo. Todos têm que enfrentar o peso da repressão e do conservadorismo, nos mais diversos estágios da sociedade. Questões como abuso sexual, violência doméstica, gravidez na adolescência, prostituição e suicídio e homossexualismo, entre outros, vêm à tona na vida desses jovens.

A peça original denunciava os preconceitos e o conservadorismo das três principais instituições que regem a educação do homem: a família, a igreja e a escola. É considerada um dos precursores do expressionismo, movimento artístico que se caracterizou por uma oposição ao naturalismo. O teatro expressionista é anti-realista, utilizando-se, quase sempre, de uma dramaturgia combativa com ênfase nos conflitos sociais e de um estilo de cenografia que optava pela fantasia, com espaços que não são mero fundo para a ação teatral, mas interagem e atuam como um novo personagem.

O original de Wedekind causou imensa polêmica na época de seu lançamento por tocar em tabus e levantar a bandeira da liberdade, questionando a repressão tanto no seio da família quanto no sistema de ensino alemão. Sem encontrar editores que bancassem o projeto, o próprio autor financiou a publicação, em edição limitada. A primeira montagem foi apenas em 1906, tendo o jovem Peter Lorre no papel de Moritz e Lotte Lenya como Ilse, mas logo o espetáculo foi proibido, e em 1908 foi vetada qualquer manifestação sobre ‘O Despertar’, com punições que poderiam levar os infratores para a prisão.

Em 1912, Wedekind conseguiu novamente montar o texto na Inglaterra, mas somente em alemão e com portas fechadas. Nos Estados Unidos, a autorização para uma versão em inglês foi obtida apenas em 1917, mas um dia antes da estreia, em Nova York, o espetáculo foi novamente vetado. Com a mobilização da classe artística local, foi possível uma única apresentação. No ano seguinte, Wedekind faleceu e não pôde assistir ao renascimento da sua peça, que, com o apogeu do nazismo, ficou esquecida durante anos.

A filha de Wedekind, Kadidja, se exilou na América e conseguiu montar o espetáculo na Universidade de Chicago, em 1958. Logo, ‘O Despertar da Primavera’ se tornou obrigatório nas escolas norte-americanas e virou um hino entre os jovens, com uma série de encenações ao redor do mundo.

A primeira montagem profissional e não adulterada de ‘O Despertar da Primavera’ se deu apenas em 1974 na Inglaterra, 83 anos após o texto ter sido escrito. A produção foi extremamente incensada e reverenciada pela crítica, e muito de sua força vinha da brilhante tradução de Edward Bond, “escrupulosamente fiel à poesia e ironia de Wedekind”, segundo o London Times. Esta versão inglesa foi a base de todo o trabalho de adaptação para o musical.

Wedekind foi, sobretudo, um feroz inimigo da hipocrisia social e combateu dogmas da sociedade, especialmente na sua negação dos instintos sexuais. Escreveu espetáculos polêmicos como ‘O Espírito da Terra’, ‘A Caixa de Pandora’, e ‘A Morte e o Demônio’, que compunham a trilogia ‘Lulu’. “Ele pagou um alto preço por ter coragem de desmistificar os tabus e celebrar a vida. A cultura ocidental reverencia a morte, mas recusa o ponto de partida, que é o sexo. Ele sabia que a informação era uma arma poderosa. A ignorância leva ao extermínio”, finaliza Charles.


O DESPERTAR DA PRIMAVERA

Música de Ducan Sheik
Texto e Letras de Steven Sater
Baseado na obra de Frank Wedekind

DIREÇÃO – Charles Möeller
VERSÃO BRASILEIRA – Claudio Botelho
DIREÇÃO MUSICAL – Marcelo Castro
COREOGRAFIA – Alonso Barros
CENÁRIO – Rogério Falcão
FIGURINOS – Marcelo Pies
VISAGISMO – Beto Carramanhos
DESIGN DE LUZ – Paulo César Medeiros
DESIGN DE SOM – Marcelo Claret
COORDENAÇÃO ARTÍSTICA – Tina Salles
PRODUTOR EXECUTIVO – Luiz Calainho
DIREÇÃO DE PRODUÇÃO – Aniela Jordan, Beatriz Secchin Braga, Monica Athayde Lopes

ELENCO:
Malu Rodrigues, Letícia Colin, Pierre Baitelli, Rodrigo Pandolfo, Thiago Amaral, Débora Olivieri, Eduardo Semerjian, Alice Motta, André Loddi, Bruno Sigrist, Clara Verdier, Danilo Timm, Davi Guilhermme, Eline Porto, Estrela Blanco, Felipe de Carolis, Felipe Tavolaro, Laura Lobo, Lua Blanco, Mariah Viamonte, Thiago Marinho


FONTE: http://www.moellerbotelho.com.br/acervo/o-despertar-da-primavera/ google.com

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